quinta-feira, 22 de novembro de 2012

muito de quase nada



Pensamentos descritos razoavelmente para que servem? Feliz dos poucos que não se deram conta do quão depressa as coisas se movimentam. Estamos sentados, paralisados. E o mundo está girando, a todo vapor. Assistimos a passagem da vida em alta frequência. E nos dizem que estamos desfrutando da realidade em alta definição. Quanto mais real se torna aquilo que está sendo representado a nossa frente, mais fajuta se torna a nossa vida, ao ponto, de existir mais valor no que se vê do que no que se vive. Estamos observando o tempo consumir as coisas. Não há tempo para estar consigo mesmo, quem dera com os outros. Estar atualizado demanda atenção. Aliás, já não há ninguém com déficit de atenção não é verdade? As luzes se acendem e as relações pessoais se tornaram virtuais. Virtual, por definição é algo que ainda não se realizou. Assim, estamos de passagem e tudo que tentamos preencher, as amizades, os encontros, os lugares, as intenções, ainda não se realizaram. E vamos seguindo no mundo do faz de conta. Atualmente é preciso enganar-se a si mesmo. Que temos um emprego maravilhoso, que amamos a nossa família, que a vida é perfeita. Tentamos nos convencer de estar fazendo parte de um sonho comum. Inventado. Por trás do véu invisível do ser virtual existem pessoas frágeis, imaturas, insensíveis, ignorantes. Fazem de conta que as coisas não existem. Que o mundo e as pessoas não existem. Assim se tornam descartáveis. Como se diz, existimos sempre que haja lembrança. Lembrança se constrói, vivendo. Compartilhando o tempo frente a frente, olho no olho.
Estamos muito atarefados, ocupados. Quem dera sentar e pensar em algo, em qualquer coisa. O tempo ruge. Não há arrependimento de viver. Mais sim de deixar a vida passar. Vale a pena parar. Pensar se o que estamos fazendo realmente faz sentido. Parece não haver muito sentido em lutar muito por tão pouco. O sucesso não vem necessariamente no mesmo caminho daqueles que já chegaram ao cume. O segredo está em descobrir um novo caminho. Pensar algo novo, que tenha sentido para muitos. Então, se as pessoas tem dificuldade em entender-nos, acredito que estamos no caminho equivocado.
Os dias passam. Em anos superamos prazos, medidas, cotas, valores, metas, pessoas. Não superamos desafios intelectuais. Somos sempre a mesma pessoa em essência. Não digamos profissionalmente, economicamente. À medida que nos credenciamos mais na nossa área, somos mais ignorantes em tudo. Deixamos de aprender, de descobrir de criar. Parece que as pessoas aprendem tantas coisas novas nos seus primeiros anos, línguas, instrumentos, métodos de expressão, atividades físicas. E depois passamos o resto da vida tentando ser bom em apenas alguma coisa. Estamos assistindo a vida passar e tentando de todas as maneiras atrofiar o próprio cérebro. Que bom somos conosco.
Os dias são iguais, as pessoas são sempre as mesmas, os lugares, os de sempre. Os anos passam depressa. Não há muitas memórias que recordar, é uma coleção de arquivos iguais. Verdadeiramente é uma sobreposição diária de mesma coisa, enquanto que a memória fica sempre vazia.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

por uma questão de prioridade




A região central de São Paulo foi tema de uma breve apresentação na “TV Folha” na última segunda-feira.  Apontando uma suposta elitização do centro nos últimos anos, principalmente pelo aumento do grau de educação dos seus habitantes e também pela conscientização da população moradora quanto a zeladoria urbana e segurança.

Fato é que, ainda que incipiente, existe uma elitização da região central, ou uma expansão das áreas que nunca deixaram de ser nobres para aquelas áreas imediatas que tendem a ser requalificadas pouco a pouco. Logicamente, essa maior procura por habitação na região central, que vem avançando de forma centrípeta, se relaciona diretamente com uma valorização imobiliária que, por essência, causa segregação.

Neste avanço impiedoso das classes mais abastadas para o centro e região central intermediária, a população de mais baixa renda vem sendo obrigada a deixar o local, pelo menos aqueles que alugam um imóvel ou ainda se for de propriedade privada. Existem aqueles que não tem alternativa e permanecem, principalmente nas áreas menos valorizadas, como a região da Santa Ifigênia, Luz, etc. Isso porque a região conhecida pejorativamente de “cracolândia” aparece no cenário social como sem solução, legitimando, através do discurso perverso do Estado, uma atuação imediata de “limpeza” dos males dos quais padece o centro.

Os habitantes de baixa renda, os cortiços, os moradores em situação de rua, não são, e estão muito longe de ser a causa da chamada degradação da região central. Entretanto são apontados como agentes de desvalorização, que devem ser combatidos para que a região possa ser valorizada novamente. Isso tudo não faz o mínimo sentido.

Como também não faz sentido algum o debate sobre o futuro do Minhocão sem considerar a situação social da região. É injustificável a defesa de um parque sobre a via elevada quando a verdadeira carência da região extrapola a necessidade de áreas públicas e verdes.  A verdadeira deficiência da região central e da população que ali habita é habitação, principalmente habitação de interesse social, e mais, voltada para famílias com rendimento até três salários mínimos.

Acertadamente o fotógrafo Felipe Morozini coloca: “é utópico investir dinheiro em um “minhocão jardim” e em baixo continuar morando as mesmas famílias que eu vejo aqui há oito anos em baixo do minhocão”.

O que se faz necessário é uma questão de prioridades, de colocar as boas ideias (que não são poucas) em prática. Articular as atividades para o bem da cidade e dos seus cidadãos. Garantir que a população menos favorecida possa permanecer e mais, repovoar a região central. Habitação Social com prioridade absoluta em relação à habitação para a classe média. Deve-se desenvolver e aplicar uma política habitacional para o centro da cidade urgentemente, de maneira democrática e solidária. E mesmo que seja necessário o debate sobre a demolição do minhocão, como defende Guilherme Wisnik no texto “Sob o signo da demolição”, de nada adianta transformar o gigante de concreto se a população que se abriga sobre seus mais de três quilômetros não tem a mínima possibilidade de acesso à habitação digna na região central.

“Portanto, demolir ou não o minhocão não é uma questão. O que devíamos discutir é a viabilidade de fazê-lo agora ou no futuro” (Guilherme Wisnik).

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

nostalgia de um passado ainda futuro


Der Himmel über Berlin (Wings of Desire), ou “Asas do Desejo” é nome de um filme dirigido por Wim Wenders a partir de um roteiro realizado em colaboração com Peter Handke. Conta a história de dois anjos que deambulam pela Berlim do pós guerra. Invisíveis, os anjos tentam confortar os pensamentos solitários e depressivos dos humanos tão humanos daquela época. Porém, o que mais nos interessa aqui é a imagem da cidade, a própria realização cinematográfica na representação da realidade.











Muitas vezes, principalmente através do cinema, a representação da realidade passa de um mero simulacro de sua própria existência para transformar-se na essência da realidade imaginada. Ou seja, ainda que muitas pessoas nunca tenham ido a Berlim, existe uma imagem que faz parte da construção imaginária dos indivíduos. Esta imagem imaginária é fruto da representação da realidade que nos é apresentada nas mais diversas formas, sendo o cinema uma das mais importantes. Digo que seja das mais importantes, pois, é através da fotografia em movimento que surgiram as mais belas e interessantes representações e reproduções do espaço real, possibilitando a alusão, ilusão e a imaginação da realidade a partir de uma mera simulação.

Justamente através da dimensão do tempo, que aparece com o cinema, que é possível a melhor compreensão do espaço. Vai além da fotografia estática, cria uma atmosfera que possibilita aos sujeitos uma construção real na memória a partir de uma simulação.

O filme de Wenders é, acima de tudo, um documentário histórico do que foi a Berlim do final dos anos 80. A representação da cidade, enfim, é uma memória que perdura na imaginação das pessoas. É a reprodução infinita, de uma cidade que já não existe, no consciente coletivo, na capacidade imaginaria dos seres humanos. Quando penso que conhecer algo é produzir tempo na memória, parece que a cidade extinta, representada no filme, se multiplica em cada telespectador, crescendo infinitamente como se ainda existisse.

Às vezes, o filme transforma o pesado muro que castigava aquela cidade em algo belo. A partir do momento que todo sofrimento é passado, aquela imagem é quase nostálgica e agradável, principalmente por saber que sua existência já foi superada por um futuro belo e exemplar. Despretensiosamente diria que, o antigo muro parece ser hoje um instrumento da mudança, em uma espécie de causa e efeito. Provavelmente isso seja apena um devaneio sem sentido.

Deste modo, penso no que foi escrito anteriormente. Que o Elevado Presidente Arthur da Costa e Silva, o famoso “minhocão” seja o nosso muro de Berlim. Parece-me muito interessante que os documentários realizados possam contar a trajetória de tão horroroso objeto, que possibilite os indivíduos de hoje, e principalmente os de amanhã, a situarem no seu imaginário um objeto que quiçá, deixará de existir em algumas décadas.

Tudo me faz acreditar que o elevado é realmente um muro. Embora não seja um limite físico, se configura como um limite sócio-espacial, econômico, um espaço de transição entre duas cidades bastante distintas. Talvez esta divisão existisse de qualquer modo, como ela existe em toda a cidade, ainda que de modo mais ameno. O minhocão aproxima incrivelmente as realidades opostas e as distancia tanto quando é possível imaginar.

Diferentemente do muro, onde o vazio estava repleto de militares, o nosso vazio está repleto de automóveis. Na verdade não sei o que é pior. Pois, algo que foi construído simplesmente para dar passagem a automóveis individuais, passando literalmente por cima da cidade e dos pedestres, é tão agressivo quanto um bando de militares armados preparados para atirar em quem se aproxime.

Observo a esse pesado fardo que a cidade carrega já com certa nostalgia. Nas fotos antigas o minhocão até parecia mais ameno. O vejo, como já foi dito, como um instrumento de mudança, um exemplo a não ser seguido, algo a ser combatido, aprimorado, repensado. Penso em como a cidade seria bela sem ele, ou pelo menos sem os automóveis. Acredito que o minhocão hoje é uma ferramenta da mudança, pois, se podemos lidar com um monstro de concreto que divide a nossa cidade e seus habitantes, quão mais fácil será lidar com uma cidade aberta, continua e inclusiva.

Penso no elevado já como um documento histórico das obras faraônicas dos anos de ditadura militar. Penso como uma ilusão de uma realidade distinta, como um filme que documenta algo sem nos mostrar o caminho, e somos nós a imaginar as possibilidades que se encontram ocultas hoje para realiza-las amanhã.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Minhocão, nosso muro de Berlim


Por Vinicius Libardoni

No caminho intelectual que transcorre a vida de um sujeito, encontram-se questões que geram reflexões diversas, construtoras de conhecimento e opinião. Muitas ideias que as coisas suscitam nos indivíduos nem sempre são conclusas ou remetem claridade e objetividade. Pra ser sincero, os assuntos que mais nos fazem pensar são aqueles que não resultam em algo concreto, em algo definido.

Encontrei-me com o Minhocão tantas vezes antes de empreender qualquer reflexão. Embora seja um elemento marcante na paisagem da cidade, é fato que segue sendo uma pista elevada, uma infraestrutura urbana como tantas outras. Verdade que aquela pista sinuosa que flutua sob a paisagem urbana permite diversas percepções da cidade. O ruído que ecoa nas paredes e janelas dos edifícios vizinhos parece destroça-los aos poucos, deixando a cada ano mais e mais vidraças quebradas e edifícios mortos, abandonados. Logicamente este gigante de concreto não é o morador contíguo mais desejado para seus habitantes. E nessa batalha diária com folgas aos domingos, o minhocão não desiste de sua rotina barulhenta e degradante. Com o tempo, os moradores de áreas adjacentes vão desistindo da luta e o muro vai ganhando envergadura.

O minhocão já não é somente um eixo viário, uma via elevada. É uma linha clara de ruptura com o tecido urbano, uma faixa que segrega cidades completamente distintas. Não sei se ele impede que a cidade alta invada a cidade baixa ou se repele os moradores indesejados dos bairros chiques. Não se sabe bem como opera essa muralha invisível. O fato é essa espessa linha tem forte impacto em seu entorno imediato.

Não diria que o muro de Berlin fora concebido como um território especulativo, nem mesmo o minhocão. Aqueles eram tempos de conflitos ideológicos muito mais complexos e, em nosso caso, o futuro vinha sobre rodas pneumáticas e era preciso multiplicar suas vias de acesso. Como o muro germânico, que dividia dois mundos antagônicos, o elevado não deixa de ser um grande vazio, proibido, intransitável, inacessível, ausente de pessoas, de atividades, de vida urbana. O muro era um limite intransponível, concreto. O elevado se transformou em um limite invisível de duas cidades antagônicas. É como a sombra que impede que a grama cresça, ou seja, na sombra do minhocão são os edifícios que não podem florescer.

É verdade que em uma cidade de dimensões como São Paulo, onde milhões de pessoas convivem com algum tipo de carência, não se podem desperdiçar os espaços urbanizados, dotados de infraestrutura, serviços e equipamentos públicos, acessibilidade e ofertas de emprego. Ainda que a degradação de seu entorno imediato permita a uma população de menor renda habitar um local central extremamente valorizado, essa não pode ser uma justificativa. Muito menos se uma possível transformação da área impeça esta população de permanecer no local, em uma dinâmica típica de gentrificação.

Se o elevado vai permanecer ou vai ser removido não é o foco da questão. O ponto principal deve ser mais uma questão para refletir. Que à população de baixa renda só reste a moradia em áreas degradadas e ainda estejam a mercê de uma futura expulsão causada por qualquer investimento na região, essa sim deve ser a questão do nosso foco. Dispomos de ferramentas técnicas que permitem lidar com a situação de ruído, de propor uma arquitetura adequada que transponha as limitações e permita transformar uma imensa faixa do centro em um espaço mais aprazível.

É obvio que o minhocão, e toda a vizinhança que ele arrasta consigo, se configuram como um território especulativo. Uma enorme faixa que simplesmente atravessa o centro de São Paulo (uma região extremamente valorizada da cidade). Se o minhocão fosse um High Line Park, uma espécie de parque urbano, promovendo conexões com os novos edifícios que seriam projetados, qualificando uma área atualmente carente de praças e áreas verdes a situação se transformaria da água para o vinho. Logicamente seria uma explosão de valorização dos imóveis da região, que vale a pena lembrar, já é extremamente valorizada. Uma transformação gigantesca, todos gostariam de morar em uma área próxima de tudo, dentro do centro e de frente para um parque. O mesmo aconteceria, embora em diferentes proporções, se o elevado recebesse um veículo leve sobre trilhos, ou até se fosse removido completamente. Continua e sempre será uma imensa faixa de território especulativo.

A visão estigmatizada da região parece imperar na consciência coletiva. Pinta como algo sem solução e assim se encontra, esquecida, deixada de lado. São centenas de terrenos, milhares de projetos para uma cidade possível. Poderíamos propor moradia digna à população de baixa, qualificar uma região inteira, promover novos usos, áreas verdes e espaços públicos, pensar sistemas alternativos de transporte e potencializar a acessibilidade e mobilidade urbana. Fazer com que essa imensa faixa degradada do centro pudesse se reinventar e pudesse conviver com as limitações que o elevado impõe e ainda assim, pudesse conviver perfeitamente com uma futura remoção ou transformação para outro uso. Atualmente, é preferível que o elevado permaneça no local, ocultando a falta de criatividade dos arquitetos que são incapazes de lidar com tão delicada situação.

Veja também o ótimo texto "Minhocão e suas múltiplas interpretações" de Eliana Rosa de Queiroz Barbosa publicada no portal Vitruvius.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

estado ausente, indivíduos frágeis


No auge de minha vida acadêmica, encontro-me, arraigado a esta ilha como nunca antes. Não seria um auge propriamente dito, mais enfim, o momento tão esperado, o último ano dos que já foram muitos. Posso dizer que é um período produtivo, e muito, mais pouco se deve ao entorno acadêmico, que a meu ver, castiga tanto seus alunos quanto a rotina de um humilde trabalhador que se desloca diariamente do longínquo submundo periférico ao centro de uma grande metrópole, ganhando muito pouco e com ainda menos perspectivas de vida melhor.

Esta população pobre, seja de recursos como de possibilidades, tanto se desgasta em sua rotina de sobrevivência que ao fim de cada jornada, não alcança maneiras de lutar por seus direitos, de refletir sobre sua situação, de organizar-se e tomar um posicionamento que, em uma sociedade mais justa, permitiria talvez, uma mudança no caminho das coisas. Assim como esta machacada camada da nossa sociedade, os alunos como eu, embora em escalas e por motivos distintos, também sofrem. É importante deixar claro que são realidade bastante distintas, aqueles trabalhadores representam a maioria de uma sociedade desigual e injusta, nós, alunos, somos minoria, extremamente beneficiada.

A contraposição foi colocada por um motivo simples, que a energia despendida para realizar as atividades cotidianas que cabe a cada atividade, seja do trabalhador ou do aluno, é muito maior daquela que o próprio indivíduo dispõe. Com isso, não há condições mínimas para que estas pessoas desenvolvam capacidade crítica ou atuação política. Acabam sufocados por suas próprias atividades e, quando muito, por outras de caráter mais superficial que são a única fuga do submundo dos perdedores em que habitam sem perspectivas próximas de ascensão social. Parece-me que estes sujeitos se apresentam como uma espécie de “servos da modernidade”.

Isto não pretende ser uma justificativa da minha pequena longa carreira de aluno. É somente um comento sobre aquele “auge” que citei inicialmente. Pois, somente liberto das intensas e desestimulantes atividades acadêmicas é que o aluno pode desenvolver-se politica, crítica e artisticamente. Talvez sejam apenas fases, etapas que servem de peldanhos para alcançar algo mais a cada passo. Ou, sejam apenas pobres justificativas de algo injustificável, mais ainda assim, necessário.

Pois, paradoxalmente, mais livre e consciente, encontro-me radicalmente fixo a este território. Não que isso seja um dado negativo, muito pelo contrario, devo muito de tudo e de cada pequena coisa a esta cidade e a vida que levo aqui. Entretanto, infelizmente, minhas viagens longas e duradouras se extinguiram, e minhas fugas sazonais acabaram minguando. Mais é justamente num destes esparsos deslocamentos que tratei de compor este conto.

Percebi em uma pequena cidade, transformações evidentes que atropelam o quase imutável e tranquilo ritmo de vida de seus habitantes. Aqueles indivíduos, habitualmente sonolentos e despretensiosos, pouco percebem o ritmo frenético com que seu espaço urbano se transforma. Pequenas e médias cidades se modificam em um ritmo desconhecido, influenciado fortemente pela atual situação econômica privilegiada com que nosso país vive.

Estamos passando por uma espécie de “entusiasmo construtivo” que é fortalecido por financiamentos habitacionais abundantes via Programa Minha Casa Minha Vida. As cidades transformam-se em verdadeiros canteiros de obras, entretanto, a maioria destas obras, principalmente nos centros urbanos, parece privilegiar uma pequena parcela da população, enquanto que o chamado déficit habitacional paira sobre outra parcela, aquela de baixa renda. Mais, como bem foi colocado, estes investimentos habitacionais fazem parte de uma estratégia econômica, muito distante de uma política social.

Também faz parte desta política “anti-crise”, a redução de impostos sobre veículos novos. Vemos então um aumento significativo da frota de veículos e uma aparente estabilidade econômica. Diferentemente disso, as nossas cidades não apresentam a mesma tranquilidade, na verdade, percebe-se um real deterioro e degradação de seu espaço físico. Ora, pois, milhares de novos edifícios e obras públicas não deveriam qualificar nosso país? A primeira vista essa indagação poderia ser uma afirmação veemente. Entretanto não é o que acontece na prática.

É triste que tantos recursos sejam assim mal aplicados, para não dizer desperdiçados. Podemos até considerar uma espécie de desperdício, pois, quase sempre o barato sai caro. Se voltarmos a produzir habitação para baixa renda massivamente em áreas periféricas e, de uma qualidade completamente questionável, qual será a permanência destas arquiteturas? Destruiremos amanhã estas novas cidades que estamos construindo hoje? Tudo aponta para um fatídico “sim”.

E o que faremos com tantos carros? Com tantas novas pistas asfaltadas a cada dia? Enquanto os carros se proliferam como praga, as vias urbanas, a infraestrutura viária e os transportes públicos pouco se modificam. Assim, valorizando o automóvel e desvalorizando a arquitetura, poderíamos prever além de cidades cada vez mais congestionadas e de aparência questionável, pessoas crentes que o automóvel é o verdadeiro símbolo de ascensão social. Talvez futuramente as pessoas passem a morar em seus veículos e nos concentraremos apenas, em projetar garagens. 

domingo, 27 de maio de 2012

“o bom motivo de registrar”



As lembranças que temos das experiências vividas têm um limite: o esboço da fala. Antes dela a memória, como a língua, apenas balbucia. Isso quer dizer que a memória, para ser constituída, precisa ser descrita. Então, é na narrativa dos fatos que a nossa experiência ganha significado e permanência. Daí o valor das conversas, das histórias contadas, para as atividades que recorrem à memória, às associações e à imaginação, ou daí o valor da tradição oral para as atividades propriamente humanas.
Ângelo Bucci, no livro São Paulo, razões de arquitetura. Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes.

Afirmei na noite passada que, os processos criativos dois quais nos ocupamos é, de certa maneira, uma atividade espiritual. As atividades artísticas são, para mim, uma maneira de equilibrar-se, para viver melhor. É preciso expressar-se, seja qual for a método utilizado, é preciso dar forma as inquietações pessoais, de modo que uma coisa alimente a outra num circuito contínuo, produtivo.
Dar forma à memória é construir conhecimento. Descrever a memória é um processo de construção dela mesma e de aprendizado, amadurecimento e crescimento pessoal. Enfim, tá ai uma justificativa da descrição, sobre qualquer coisa. As pessoas precisam aprender a conversar, compartilhar, falar sobre tudo ou sobre nada. Assim, para descrever se faz necessário recorrer à memória, que é efêmera e se desfaz rapidamente.
Tudo se transforma neste caminho infinito do autoconhecimento, os registros servem não só para olhar para trás e perceber as mudanças, mais essencialmente para absorver o conteúdo das coisas e preencher o que geralmente está sempre vazio. A memória. O imediatismo, a mania de novidade... assistimos a tudo sem perceber nada, ouvimos tudo sem escutar nada, vivemos sem construir, compartilhar, vivemos sem contribuir para nós mesmo, ser sem absorver nada. Vive-se um novo processo de “lobotomia-virtual”, nos deixamos levar, influenciar sem construir opinião. Poucos são aqueles que comentam, debatem, que descrevem a memória, e isso deveria ser apenas uma maneira de viver melhor consigo mesmo. Automaticamente, de conviver melhor com todos.
Evidentemente aquilo que causa entusiasmo, muitas vezes passa despercebido. São expectativas que acabamos criando, porém, que podem não têm importância alguma. Mais ainda assim vale descrever as coisas simplesmente e não criando demasiadas esperanças com coisas não tão importantes.
Não se pensaria se não se fosse expressar aquilo que se pensa, e não existe expressão se não se deseja fazê-lo desejando pensar. Entretanto, parece-me que quanto mais se recorre à memória no processo de construção de conhecimento, mais vazia resulta a própria memória. Uma contradição então, pois acredito que quanto mais informações possamos absorver, mais claras elas se apresentam. Isso porque só conseguimos ordenar as ideias em um grande conjunto, como se fosse uma escrivaninha, que só estará ordenada quando as coisas superficiais que pousam sobre ela forem despachadas e restarem somente aquelas que realmente importam.
Talvez isso tudo seja só ilusão. Ilusão de que alguém veja conteúdo onde nós encontramos somente vazio. Páginas escritas quando existem apenas páginas em branco. 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Cidade, reflexo de seus habitantes


Este pequeno ensaio publicado no "Diário do Sudoeste", jornal da cidade de Pato Branco, foi construído sobre um outro ensaio, anteriormente publicado neste blog, sob o irônico título de "Beltão tem mais livrarias que Pato Branco!". A intenção deste ensaio, publicado no jornal, é a de gerar uma repercussão, mesmo que pequena, sobre a realidade da cidade, uma reflexão individual sobre nossa postura como coletividade na produção do espaço urbano e de suas atividades. Felizmente parece que a recepção foi interessante, recebi um comentário do pessoal da rádio "Elite FM" (em nome de Laudi Vedana), que multiplicou através deste meio, a mensagem deste ensaio, multiplicando a abrangência e ocasionando uma enorme alegria e este humilde autor. 
Grato a redação do Diário do Sudoeste e ao pessoal da Elite FM.


Na íntegra ...

Recentemente, em uma de minhas últimas visitas a Pato Branco, daquelas que nunca quero que chegue e depois, desejo que nunca termine, estive a refletir sobre algo interessante que acredito valer a pena compartilhar.
Caminhando por estas ruas deparei-me com uma quantidade enorme de algumas atividades, enquanto outras pareciam não existir. Poderia enumerar uma quantidade inacreditável de farmácias, lojas, salões de beleza, açougues, garagens, enfim, uma infinidade de coisas que permeiam o centro da cidade. Embora tudo isso pareça normal, acredito que os usos enraizados na cidade refletem diretamente a cultura de sua gente. E o que mais me intriga, é que não existe sequer uma livraria.
Está bem, podemos dizer que há lugares onde se vende meia dúzia de best-sellers, mais nada que se pareça com uma livraria, aquele espaço onde podemos deambular em busca de algo ou esperando que este algo nos encontre. Logicamente não existiria na Avenida Tupi algo como El Ateneo de Buenos Aires, ainda assim, sinto que a ausência de espaços como este, tenha grande impacto na vida de nossos habitantes. Alguém poderia nos dizer que hoje em dia não se compram mais livros como antigamente, que a tecnologia nos aproxima da cultura e que a internet pode fornecer todo o tipo de informação instantaneamente. Há ainda, aqueles que afirmam que a criação do e-book acabará, pouco a pouco, com a cultura ultrapassada de comprar livros e acumular papéis.
Pessoalmente, acredito que a internet tem se mostrado uma grande aliada à superficialidade do ser humano. Embora exista uma disponibilidade enorme de informação ao alcance de todos, há uma incrível preferência por futilidade em relação à utilidade.
Se no passado existiam cinemas e livrarias nas ruas desta cidade, me pergunto porque estas atividades caíram em desuso? Seria a tecnologia e o excesso de informação a causa da morte prematura das atividades de formação cultural nas pequenas cidades? O que poderíamos fazer para reverter esta situação? 
Muitas das nossas perguntas sempre permanecerão sem respostas, porém, são estas que nos levam adiante, são as indagações que nos induzem a crescer pessoalmente.
Desta maneira coloco a seguinte questão: será o ambiente empobrecido que conforma seus habitantes, ou será a superficialidade dos indivíduos que produz um ambiente tão pobre? Deixemos de ser alienados. Foram os indivíduos que criaram esta realidade, que moldaram o espaço, que desenvolveram e se utilizaram de suas atividades. Entretanto, também fomos nós, não individualmente e sim como coletividade, que desenvolvemos esta cultura da superficialidade, banalidade e futilidade. Estas características (intrínsecas à nossa sociedade hoje) se enraizaram no espaço urbano e são fruto direto das atividades, individuais e coletivas, que foram moldando as relações sociais e, indiretamente, os usos e as atividades que compõe o espaço da cidade.
Evidentemente somos todos responsáveis pela cidade que criamos e recriamos diariamente. Estamos conseguindo desenvolver um ambiente empobrecido, frequentando sempre os mesmos lugares, encontrando sempre as mesmas pessoas com as mesmas ideias baratas e desta maneira, moldando um espaço tão pouco atraente quanto as nossas próprias convicções. Apesar de tudo, somos nós que devemos buscar uma mudança de comportamento e consequentemente em construir uma cidade mais rica social e culturalmente.